Elas são PCD (Pessoas com Deficiência) e começaram a estudar a questão quando se tornaram servidoras públicas da Defensoria Pública do Estado. Não faz muito que começaram a pensar a sua própria condição e levantaram questões importantíssimas. A psicóloga Letícia Souza Mello e a analista processual da Defensoria Pública, Luiza Cabistani, deram uma contribuição histórica à educação de integrantes do Comando Nacional dos Banrisulenses e de representantes da diretoria para a construção de Acordo Coletivo de Teletrabalho no Banrisul.
Ambas foram convidadas pelo banco numa iniciativa histórica para participarem da reunião de negociação sobre teletrabalho da terça-feira, 24/11. Por quase duas horas, deram uma verdadeira aula de acessibilidade, de democratização dos espaços físicos de trabalho, da forma como PCD são vistas com preconceito e de como gostariam que fossem ouvidos(as) sempre que alguém se referir à sua condição. O Banrisul chegou até Letícia porque ela é irmã do assessor jurídico do banco, Raí Mello, ele também PCD, o que demonstra os esforços do Banrisul de estar na vanguarda da questão. Para se ter uma ideia dessa mudança de visão, Raí vai participar da redação do Acordo Coletivo do Teletrabalho.
Trata-se, sem dúvida, de um avanço chamar pessoas que estudam a integração de PCD aos ambientes de trabalho para construir um ACT representativo. Mas tanto o banco quanto os dirigentes precisam se livrar de muitos preconceitos. Preconceitos, aliás, que só começam a se dissipar porque profissionais como a Letícia, a Luíza e o Raí passam a fazer parte de ambientes de trabalho onde antes não estavam.
Uma das premissas que os dois lados da mesa de negociação assimilaram de pronto é que precisam se livrar da noção de que o teletrabalho ou o home office são “melhores” para PCD. O melhor para PCD é o que eles(as) acham que seja melhor. O melhor mesmo é a pessoa ser ouvida.
Letícia demonstrou que o último censo demográfico do IBGE levantou que 23,9% da população brasileira tem, ao menos, uma deficiência. “Será que vemos essas pessoas, um quarto da população, nos espaços de trabalho? Não. Não vemos. Não podemos excluir as pessoas, deixar na invisibilidade”, salientou.
Isso faz muito sentido quando pensamos no regime de teletrabalho. Parece natural pensar que para PCDs trabalhar em casa seria o melhor dos mundos. Não é. Há várias questões envolvidas, como a necessária visibilidade acima mencionada, e o preconceito. “Trabalho remoto não pode ser obrigatório. Deixar a pessoa em casa impossibilita a convivência. PCD também devem exercer cargos de chefia, de assessoramento. Estar no teletrabalho não pode obstar a possibilidade de haver visibilidade para que PCD possa ser vista e participar de processos de promoção”, pontuou Luiza, cuja mãe foi funcionária do Banrisul.
Outra questão fundamental. As empresas não podem ver o teletrabalho como um lugar para deixar PCD e oportunidade de reduzir custos. Deixando bem claro: além de ser livre para poder escolher onde quer trabalhar, PCD precisam, muitas vezes, de adaptações no ambiente de trabalho, garantido pela lei como direito a adaptações razoáveis e ao trabalho acessível. A pandemia não pode ser usada como desculpa para que isso não seja feito.
“Receber apoio não me torna incapaz. Existe um mito no sentido de que as pessoas não precisam umas das outras para viver, mas todo mundo precisa de apoio, incluindo pessoas com e sem deficiência. No caso das PCD, o direito ao apoio constitucionalmente garantido não significa que a pessoa perde a sua autonomia ou a sua capacidade. Trata-se de uma mudança de paradigma, que admite a coexistência entre autonomia e apoio”, acrescentou Luiza.
O assessor jurídico do Banrisul, Raí Mello, elogiou o tratamento recebido no banco público quando de sua chegada. “Entrei no Banrisul na cota de PCD. A cota é fundamental. Recebi toda a atenção. Existe um preconceito estrutural. A acessibilidade do centro de Porto Alegre, por exemplo, é horrível. As lojas têm degraus, não são ajustadas para que possamos ter acesso”, afirmou.
Entenda as fases do debate no Brasil e por que precisamos ser educados sobre PCDs
O marco da atenção aos PCD sobre igualdade no Brasil é a Lei Brasileira de Inclusão, de 6 de julho de 2015. Segundo os estudos de Letícia e Luiza, a LBI suscitou debates sobre novos parâmetros de entendimento: no lugar de uma visão capacitista, a busca por solução política para superar preconceitos.
Durante muito tempo no Brasil, imperou o modelo caritativo em relação a PCD, vistas como pessoas que precisam de cuidados especiais e que não têm autonomia. A esse modelo, se seguiu o biomédico. A noção de vida plena para PCDs passava pela correção da deficiência.
A partir da década de 1960, começa-se a discutir a vida das PCD sob um viés mais estrutural. Passa-se a entender a deficiência como parte do meio em que a pessoa vive e não na pessoa. A solução deixa de ser vista como médica e passa a ser vista como “solução política”.
Preste atenção em sua atitude
Cultura capacitista: É uma forma de expor o preconceito e dar nome a esse preconceito. Assim como existe uma cultura machista, racista entre outros preconceitos, existe o capacitismo. “O capacitismo é estrutural. A gente aprende a ser capacitista desde criança. Eu fui capacitista também. Temos que construir uma visão diferente todos os dias”, ensina Letícia Mello.
Barreira atitudinal: Eis aqui um dos problemas mais complicados e difíceis que são enfrentados por PCD em seus locais de trabalho ou na sociedade. Além das barreiras de transporte, a barreira atitudinal está ligada ao comportamento de colegas e superiores dentro das empresas. Se uma empresa fornece todos os recursos para a diversidade, mas há um colega que não sabe lidar com a diversidade e tem uma cultura capacitista, a vida da PCD não será fácil. Porque a pressão vai ser sempre se a pessoa com deficiência está ou não apta a desempenhar aquela função. E pode ser que a invisibilidade aqui se manifeste como um preconceito sutil. Pode se manifestar até sob a forma de elogio, com frases do tipo. “Este trabalho está tão bom que você nem parece deficiente”.
A visão do herói: Preste bem atenção nesta sutil forma de preconceito. Ficar toda hora dizendo e exaltando a figura de uma PCD como se ele(a) fosse um herói ou heroína não é legal. É preconceito também. Porque reproduz uma visão equivocada de que PCD tem que estar sempre superando barreiras quando, na verdade, a pessoa só quer desempenhar sua função de trabalho, aprender diariamente, melhorar e ser vista como qualquer outra pessoa.
Questão de oportunidade: Há, nos ambientes de trabalho, quem ainda entenda as adaptações feitas para atender a diversidade e as políticas compensatórias, como as ações afirmativas e cotas nos serviços públicos, como privilégios para PCD. Isso é preconceito também. É preciso virar a chave e pensar em política de oportunidade. Muitas pessoas também ficam incomodadas de conversar com PCD sobre sua deficiência e sobre o que é preciso fazer para melhorar o ambiente de trabalho. Trata-se de uma grande dificuldade ainda e que é preciso desconstruir. Em geral, as instituições não sabem o que fazer com PCD após a contratação. Luiza e Letícia explicam que um bom começo é o acolhimento. Conversar reservadamente e sempre perguntar para a pessoa sobre o que ela precisa.
Autonomia: Tanto Letícia quanto Luíza repetiram, durante a reunião da terça-feira, 24/11, que é preciso conversar por uma questão de autonomia. PCD costumam levar vida autônoma. E a conversa é fundamental porque existe uma amplitude muito grande de deficiências. Cada caso é um caso. PCD não precisam ser tutelados. Precisam de autonomia!
Pergunte: Se você tem um colega PCD que recém chegou em seu ambiente de trabalho, seja proativo com ele(a), mas deixe-o também tomar iniciativas. Há diferenças em perguntas. Perguntar com curiosidade não é muito legal. O melhor é você ser objetivo(a). A dica aqui é perguntar de forma respeitosa com o objetivo de colher informações para tornar o espaço mais acessível e confortável ao seu(sua) colega PCD.
Qual termo é adequado para me referir a PCD?
Pessoa com necessidades especiais: Não se usa. Já foi muito usado e de forma equivocada, pois se refere a todo mundo. O pressuposto é que todas as pessoas têm alguma necessidade especial na vida. Uma mulher trabalhadora que precisa deixar os(as) filhos(as) em uma creche para trabalhar tem uma necessidade. E o problema é como as pessoas se veem. Com a visão do padrão médico atual, de perfeição física, tem sido muito comum as pessoas que não se encaixam nesses padrões se veem como imperfeitas e deficientes.
Deficiente: Também não se utiliza. Temos que lembrar que antes de ter uma deficiência, estamos falando de uma pessoa ou com uma pessoa. Pensar em chamar de deficiente é colocar a deficiência como definidora da pessoa. É uma condição, e não o que a pessoa é. No caso, PCD é mãe, paia, filha(o), profissional de sua área etc.
Pessoa com Deficiência (PCD): É o termo correto. A deficiência aqui é vista como uma das características que a pessoa tem.
Direito internacional e constitucional
Luiza chama a atenção para uma questão muito importante e que garantiu direitos das Pessoas com Deficiência (PCD) na Constituição Federal de 1988. O Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008, constitucionalizou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo (Decreto 6.949). Desde então, essa convenção internacional da ONU, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, passou a fazer parte da Constituição Brasileira. Questões como acessibilidade, direito à vida, igualdade e não discriminação passaram a fazer parte da carta magna brasileira.
Palavra de dirigente
Quando começamos a debater teletrabalho entre nós, dirigentes, começamos a ouvir relatos de colegas que queriam saber como ficaria a questão deles, PCDs, no teletrabalho. Pensamos que não poderíamos colocar preferência e dizer ara todos PCDs irem para o teletrabalho. Precisávamos ouvir as pessoas para entender qual a compreensão que elas tinham sobre teletrabalho. Não adianta fazer um acordo coletivo para teletrabalho e, na hora que a PCD precisa fazer um teste para ser promovida, não tem acesso ao local da prova. Então, optamos por ouvir. Foi muito feliz a oportunidade de fazer esse debate com o banco e com vocês [referindo-se a Letícia e Luiza]. Agora temos possibilidade de debater para construir. Não podemos dizer para a pessoa não ir para a sede do banco se ela prefere trabalhar presencialmente na empresa.” (Sergio Hoff, diretor da Fetrafi-RS).
“Vim de agência do Interior. Em 2018, o Banrisul criou o curso de Libras. Era para ter um colega com domínio de LIBRAS por agência. Seria melhor até ser ampliado para mais de um. Os colegas não sabem proceder o atendimento quando chega um PCD para ser atendido.” (Mariluz Carvalho SEEB Santa Cruz do Sul).
“Buscamos a melhor saída durante e para a pós-pandemia. Estamos ajudando a buscar as melhores soluções. Temos que ir para as ações também. Não adianta só a legislação.” (Ana Maria Betim Furquim, diretora da Fetrafi-RS)
“É muito legal que o banco faça a aproximação para fazer esse debate. Muito passa pela educação. O comportamento exigido no banco é para vender, para se posicionar diante das vendas. Geralmente, se cria 4e se educa o bancário para um determinado modo de se vestir e de falar. Mas nunca é como as pessoas devem ser ou como elas são com os colegas. Para PCDs, o teletrabalho vai ter que ser opcional. Podemos fazer um belo e histórico acordo”. (Fábio Alves, diretor da Fetrafi-RS)
“É importante a gente ouvir para saber como agir. Temos muitos exemplos na vida e no próprio banco. Tenho o exemplo de um colega com quem trabalhei. Ele sofreu acidente de carro. Muitas vezes, numa intenção de ajudar a gente acaba revelando preconceito. Acabamos discriminando sem intenção, como colocar a pessoa no home office. A pessoa precisa ter a facilidade de retornar ao seu local de trabalho quando ela quiser”. (Cleberson Pacheco Eichholz, presidente do Sintrafi-SC).
Agenda de reuniões
Segunda, 30/11 | 13h30 | Ponto Eletrônico
Terça-feira, 1º/12, 13h30 | Teletrabalho
Fonte: Imprensa SindBancários
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